Peça de Carlota Zimmerman (1986), inquieta e provocativa porque, embora reconheça a sexualidade como um dos territórios mais livres de nossa época, discute e denuncia a heteronormatividade conservadora moralista e repressora, dentre outros conceitos, que a “aprisiona” e a coíbe.

direção: Djalma Thürler



atores: Duda Woyda e André Carvalho

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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A AGONIA COLOCADA POR COMPLETO

À Duda Woyda


A AGONIA COLOCADA POR COMPLETO
Numa cadeia racionam comida, bebida, sol, alegria. Racionam vida. Atrás dos portões de um presídio também são servidas estas e outras pequenas porções de manutenção da vida, em porções pouco maiores.

O passado absurdo, quase irreal, alicerce para o presente desafortunado que ambos experienciam obrigados a dividir o espaço mínimo de respirar, dormir, comer, fumar. Compartilham seus corpos. As vidas truncadas por crimes cometidos contra si mesmos; trincadas por memórias dos passados remoto e recentes cujo único desejo é esquecer – mas o lugar onde se está não permite, o tempo, arrastado e gris não permite, a falta de sono e cigarro não permite; a inércia da vida naquele lugar não permite.

Dor, medo e revolta de ter por espelho apenas os olhos do companheiro de cárcere. Parceiro do cigarro, sexo e solidão. Masmorras humanas. O quão doloroso pode ser ter amor pra dar? Pode desejar ser apenas dor? Às vezes nos falta esperança. Nas prisões que nos apresamos ela nunca faz morada, sequer visita.


DISTORÇÃO DO AMOR
Amor tem nome, historia, osso, pele, cheiro, sabor. Pode-se ter no inferno, um amor? Um amor tranqüilo? Nascido no inesperado, teimando em ser por que se tem ao alcance das mãos, mas de alma longe, de vontade mesquinha, doente. Será amor o melhor que contemos pra oferecer? Às vezes amar nos machuca profundamente... Armadilha que faz gente querer o não quer querer, faz sentir sede depois de beber água. Tira o sono, provoca secura, destrói. Desejo que faz gente querer outro desejo, faz a gente querer o desejo do outro. O diuturno desejo de ter de quem se ama o corpo e querer. O amor é um vilão. Ele faz de nós cais. Ele nos faz cair. Vontade esmagada pelo medo que se tem daquilo que será dito – e feito – pelos outros, acaçapada pelos calores (?) dos lugares por onde somos e pessoas com as quais se tem que viver. E vamos nos recuperando muito lentamente, chagas abertas, outras falsamente fechadas, cicatrizes.


O MUNDO INTEIRO É UM SÓ LUGAR
O repetitório dos dias que passamos encarcerados em nossas vidas (iguais a tantas que sabemos) e dos artifícios que utilizamos para tentar torná-los diferentes, menos longos, menos difíceis, menos amargos servem de alguma coisa?

Quantos jogos precisamos fazer para que sejamos apenas nós mesmos? Por que temer o fato de amar e saber-se amado? Por que temer ser árvore, fruto e semente de amor? Por que tremer ao entender?


O QUE SE DIZ, O QUE SE ENTENDE, O QUE PARECE, MAS NÃO É.
Verdade dolorosa ao longo das eras amar ao igual. Estar num presídio é cárcere menos difícil de suportar que o imposto elas convenções reproduzidas em virtude de nada. Descobrir, experimentar, reconhecer o amor, ao prazer, o que te faz ser ’você’ e não aceitar por que a rejeição do entorno é uma certeza e não se foi preparado para que ‘aquilo que sou’ seja pleno, seja puro, seja respeitado e não bestial doença e vergonha.

Beijo é encontro, quase sempre. Marco, ponto zero, ou final. O beijo é doce e voraz; pão que alimenta e mata. Acido que corroi por ser incontrolável a sua expansão e impactos. Musica talvez faça o tempo aumentar seu passo. É uma mentirosa, é mentira! Ela melhora a cor da estrada mas não a diminui.

O corpo é menos difícil de mostra do que quem realmente se é. A intimidade que a nudez física tece se esvai quando a pergunta não pode ser respondida apenas com a verdade. Pra se mostrar é preciso mais que abrir zíper e botões, tem que se abrir a alma, e esta talvez esteja podre, talvez seja frágil, talvez não seja parte da vida que se leva.

Quantos de nós podemos saber-se amados sem fazer quem nos nutre amor refém do que nos oferta? Quantos de nós podem assumir o amor que nutrem por outrem sem aterrorizar-se com o que isto significa?


VISITAR SEU CORAÇÃO É UMA VIAGEM PERIGOSA
A comunicação entre nós, humanos, é componente mais delicado da relação porque não importa o que eu disser, você entende o que quiser. E isto não se pode mudar porque somos únicos: experiências, vontades, metas e atrapalhos. E isto não se pode esquecer porque teu ouvir, ver e sentir é tão uno com isto tudo que fazê-lo seria ingenuidade. Infinitas portas abertas e outras tantas fechadas naquela noite.

A busca de esquecer que somos seres feitos de sonhos e pó de estrelas, que somos muito mais que meia dúzia de normas e divertimentos, que podemos escolher e não apenas acolher caminhos. As palavras são limitadas e os sentimentos não. Talvez por isso amor seja linguagem feita de sombra, silencio e tempo. E o desamor também. Eu nunca havia pensado sobre o quão opressor pode-se ser consigo mesmo.

Palavras escritas, digo-vos mais uma vez obrigada.

Maria Carla Santos
(fotos por Amauri Martineli)